Edwaldo Alves Silva
Ao parar no sinal da Rua São Geraldo, duas jovens aproximaram-se e ofereceram adesivos para colar no meu carro. Provavelmente executavam um serviço remunerado. Um propagava a derrubada da Presidente com uma frase bastante injuriosa ao mais alto cargo da república e o outro mencionava que havia votado em Aécio, como se esta decisão pessoal tivesse enorme importância coletiva. Retruquei que era profundamente democrata, avesso às aventuras golpistas e que era muito importante o respeito à vontade popular expressada por meio das urnas. As garotas estamparam nos rostos uma expressão de quem não haviam entendido nada, aliás, pareciam que não sabiam nem mesmo o que estavam fazendo ali. O tom respeitoso do nosso diálogo não se repetia no carro ao lado. Um casal, ambos adultos, segurando cartazes bradava que era necessário derrubar a presidente, acabar com o PT e os desmandos que, segundo eles, estavam arruinando o Brasil. E, pasmem, pregava que para atingir esses objetivos era necessária uma intervenção militar. O motorista ao lado, surpreendido, portava-se como se estivesse escutando um lunático alienígena.
Na integra
O sinal abriu e segui o meu caminho, livrando-me de continuar escutando tantas bobagens.
Mas, a inusitada cena não saiu da minha cabeça. Levou-me a lembranças mais antigas e outras mais recentes. Estudos históricos atualmente comprovam exaustivamente os poderosos interesses econômicos, políticos, nacionais e internacionais que organizaram e executaram o golpe militar que derrubou o presidente Jango em 1964. Eu, que vivi na minha juventude aqueles tristes episódios, entendo que as revelações e documentos recentes apenas vieram confirmar a minha certeza: os acontecimentos de 64 foram profundamente nocivos aos trabalhadores, ao povo em geral e ao caminho democrático e soberano do país. Claro, que vivemos uma situação política completamente diferente daquele período. Mas, algumas pessoas parecem querer reeditar aquele drama em forma de comédia. A principal semelhança é o desejo de derrubar a presidente legítima por meios não eleitorais e que não atendem a legalidade democrática. O marketing é o mesmo: combate à corrupção (como se isso não fosse um dever de todos), propagandeados desmandos no país, aglutinação daqueles que foram derrotados eleitoralmente, os eternos antidemocráticos direitistas que ainda sentem saudades da ditadura, e a mídia agindo a todo vapor com a velha máxima de “existindo a gente aumenta não existindo a gente inventa”. E, infelizmente, parte do povo se deixa seduzir pela enorme pressão psico-social. O centro da estratégia golpista é denunciar a corrupção, reinventar a propaganda maciça do “mar de lema” que levou Vargas ao suicídio. Ora, toda a pessoa de bem é visceralmente contra a malversação do dinheiro público. Esse crime significa roubar o próprio povo e como tal deve ser encarado. Talvez, em comentários futuros eu aprofunde minha opinião sobre essa questão. Apenas lembro que nunca foram realizadas tantas investigações, processos abertos, a polícia federal agindo a todo vapor e tantos políticos poderosos, grandes empresários e altos funcionários públicos indiciados, respondendo inquéritos e principalmente levados às barras dos tribunais e às grades. Fazemos coro àqueles que desejam que a justiça seja implacável, ágil e não deixe tudo acabar em pizza. O máximo que eles merecem conseguir é levar e comer algumas pizzas nas celas.
Na preparação do golpe militar em 1964, seus organizadores afirmavam que seria apenas uma rápida intervenção militar, cirúrgica e logo a legalidade e o estado de Direito voltariam a imperar. Muitos acreditaram nisso. Foi um erro fatal. A tal intervenção militar estendeu-se por longos 21 anos, extinguindo a democracia, suprimindo as liberdades, promovendo cassações, prisões, torturas e mortes. Ninguém no seu juízo perfeito pode querer isso para o Brasil.
Ao lerem esses comentários muitos me acharão exagerado, catastrófico, pessimista, mas, o estado de espírito pré-64 de muitos era exatamente de que um presidente do qual eles não gostavam seria apeado do poder e a normalidade voltaria naturalmente. Ledo engano.
Hoje, estou convencido que qualquer agressão à legalidade democrática e aos direitos constitucionais dos governantes não se encerra em si mesmo. Ao contrário, inicia-se um processo que ninguém consegue prever onde vai parar.
Edwaldo Alves Silva é filiado ao PT em Vitória da Conquista.
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