Sem meias palavras, sem condescendências, sem nenhum recurso a subterfúgios, o ex-presidente do diretório do Partido Comunista do Brasil/PCdoB, Marcos Andrade, abriu literalmente o verbo contra o que considera o início da derrocada da Frente Conquista Popular, consórcio de partidos (PT, PSB, PCdoB, PV) que há quase vinte anos governa Vitória da Conquista sob a cada vez mais desconfortável hegemonia petista.
Em entrevista exclusiva ao Blog do Fábio Sena, Marcos Andrade – que já foi secretário de Meio Ambiente e diretor-presidente da extinta Agência de Desenvolvimento, Trabalho e Renda/ADTR – defende a tese de que o prefeito Guilherme Menezes deformou o projeto político da Frente Conquista Popular na medida em que afastou o diálogo do cotidiano político, instaurando um modelo de gestão centralizador com resultados negativos para a coletividade.
Entre outras coisas, o comunista afirma que o projeto político da Frente tinha natureza coletiva e era avançado, mas tornou-se conservador e “propriedade exclusiva de uma pessoa”. Segundo ele, os partidos que integram a base governista, inclusive o PT, não são ouvidos pelo gestor para nenhum tipo de decisão. Já os movimentos sociais seriam utilizados como “massa de manobra” apenas pra legitimar as ações que são decididas por um grupo reduzido dentro do gabinete. Em resumo, afirma: “Não existe mais governo participativo”.
Além dos problemas de natureza política, Marcos Andrade ataca duramente a gestão do prefeito Guilherme, afirmando, entre outras coisas, que o governo não tem projetos. “Tem sido comum no atual governo a devolução de recursos ou a implantação retardada de projetos, como foi o caso do Restaurante Popular, que levou anos para sua inauguração e funcionamento. Neste governo, não há projeto e toda ação está condicionada à decisão pessoal do prefeito”.
Uma vez que atualmente “todos os partidos estão submetidos ao humor e vontade pessoal do gestor”, o dirigente comunista apresenta como alternativa a oxigenação do projetor. “É hora de dar uma guinada, resgatando os princípios de ação coletiva e participação popular que sempre cultivamos. Tanto o PCdoB, quanto o PSB tem quadros para liderar o projeto. Acho que seria uma atitude republicana e democrática ter o prefeito escolhido dentro de outro partido da Frente. É preciso oxigenar, se isso não acontecer, o projeto vai minguar até a derrocada final”.
A seguir, na íntegra, a entrevista de Marcos Andrade:
BLOG DO FÁBIO SENA:
Como o PCdoB avalia o atual estágio da política conquistense?
MARCOS ANDRADE: Não posso falar em nome do PCdoB, apesar de fazer parte da direção municipal; quem responde pelo partido é seu presidente, Dr. Andreson.
BLOG DO FÁBIO SENA: Mas você vive a politica da cidade e deve ter uma opinião?
MARCOS ANDRADE: Sou um ativista político há mais de 20 anos e tenho uma formação que me permite olhar de forma analítica o atual quadro. Vejo um esgotamento do projeto conhecido com “Frente Conquista Popular”, liderado pelo prefeito Guilherme, que surgiu como um projeto coletivo e avançado para a época, hoje se tornou um projeto conservador e propriedade exclusiva de uma pessoa ou grupo reduzido de pessoas. Os partidos hoje não participam das decisões do governo, nem mesmo o PT. Algo se perdeu ao longo do tempo, o movimento social não é mais ouvido, mas utilizado como massa de manobra pra legitimar as ações que são decididas por um grupo reduzido dentro do gabinete. Não existe mais “governo participativo”.
BLOG DO FÁBIO SENA: Você falou em algo forte: governo conservador. Pode explicar melhor como se dá isso?
BLOG DO FÁBIO SENA: Recentemente vimos o prefeito num debate dizer que conquista não precisa de um equipamento de mobilidade urbana como o VLT (Veiculo Leve sobre Trilhos) e nesta semana foi veiculado um artigo do secretário municipal e ex-vice-prefeito reafirmando essa assertiva. O argumento utilizado é que a cidade não tem demanda para esse tipo de equipamento e que seria muito cara sua implantação. Primeiro, é preciso observar que o grande problema da mobilidade no Brasil foi a inércia dos governos e falta de planejamento, não se instala um sistema de mobilidade para utilização imediata de sua plenitude, o sistema deve ter uma curva de evolução e ampliação ao longo dos anos. Quanto aos custos, existe um alinhamento estadual e nacional, se houver um projeto haverá recurso. Recentemente, Salvador recebeu 8 bilhões do Governo Federal. O fato é que não temos projeto e os problemas são atacados somente depois que surgem. Tem sido comum no atual governo a devolução de recursos ou a implantação retardada de projetos, como foi o caso do restaurante popular, que levou anos para sua inauguração e funcionamento. Neste governo, não há projeto e toda ação está condicionada à decisão pessoal do prefeito.
BLOG DO FÁBIO SENA: Os dados do IBGE dão conta de um aumento de mais de 10,0% na população da cidade. Como você vê isso?
MARCOS ANDRADE: Conquista hoje é uma cidade de quase 350 mil habitantes com uma população flutuante diária que varia entre 100 e 120 mil pessoas/dia. Se avaliarmos a macrorregião, são mais de 100 municípios e cerca de 3,5 milhões de habitantes. Somos uma ilha de desenvolvimento, basicamente por conta do mercado interno, mas não existe nenhuma mobilização organizada por lideranças da cidade para articular ações com as prefeituras da região, organizar consórcios ou projetos de desenvolvimento regional. Vejamos o caso da saúde municipal: temos um bom sistema que atenderia bem se fossem apenas os moradores de Conquista, mas somos uma região e o sistema é péssimo, não atende bem e acaba com o cidadão recorrendo à estrutura privada para ter o mínimo de atenção, na maioria das vezes dilapidando suas economias pessoais ou recorrendo a empréstimos para não morrer à míngua. A saúde se transformou num caos por falta de gestão e planejamento. O sistema só vai funcionar quando houver diálogo entre o Estado, os municípios e a rede privada. E quem deve capitanear essa discussão?
BLOG DO FÁBIO SENA: O resumo da ópera seria então que o projeto participativo naufragou?
MARCOS ANDRADE: Todos os partidos estão alijados das decisões de governo, inclusive o PT, que não é consultado e forçado a referendar as decisões de governo. Todos os partidos estão submetidos ao humor e vontade pessoal do gestor. Eu diria que é preciso oxigenar, é hora de dar uma guinada resgatando os princípios de ação coletiva e participação popular que sempre cultivamos. Tanto o PCdoB, quanto o PSB tem quadros para liderar o projeto. Acho que seria uma atitude republicana e democrática ter o prefeito escolhido dentro de outro partido da Frente. É preciso oxigenar, se isso não acontecer, o projeto vai minguar até a derrocada final.
BLOG DO FÁBIO SENA: E como você avalia a oposição?
MARCOS ANDRADE: Eu penso que o maior risco será Herzem não ser candidato, pois como ele é uma liderança de muita personalidade, possui alta rejeição. Tem surgido novas lideranças capazes de surpreender, tanto o Marcelo Melo, pela oposição, quanto Cori pelo PT, teriam mais chances, por serem lideranças novas e com baixo índice de rejeição. Observe os casos de Rui Costa, Dilma Rousseff, Fernando Collor e do próprio Guilherme em 1992, todos desconhecidos, mas sem rejeição, bastando um bom programa de governo, aliado ao espírito de renovação da população. Na eleição passada, vi uma moçada muito jovem, com grande vontade de mudança, que naquele momento foi incorporado pela candidatura de Aécio Neves, mas que tranquilamente pode ser materializado numa candidatura de situação ou oposição, desde que incorpore a ideia de renovação.
BLOG DO FÁBIO SENA: Ou então numa terceira via, como seria o caso de Fabrício?
MARCOS ANDRADE: Fabrício é a melhor liderança da nova geração, fruto genuíno dos movimentos sociais e da Frente Conquista Popular e incorpora o que há de melhor neste projeto, aliado a uma enorme capacidade de diálogo com outros setores. Fabrício é um trator para trabalhar, é agregador e sabe ouvir, ele está maduro para ser o novo prefeito de Conquista. Se houvesse uma Frente de verdade, seria o melhor nome para dar continuidade a este projeto, com o apoio dos demais partidos, mas sabemos que os atuais caciques da cidade jamais abririam espaço. Precisamos de lideranças arejadas que pensem no desenvolvimento da região para os próximos anos e décadas.
BLOG DO FÁBIO SENA: Quais os caminhos do desenvolvimento na região?
MARCOS ANDRADE: Planejamento é tudo! É preciso desenvolver estudos sobre a realidade da região para o desenvolvimento de projetos. Algumas áreas exigem atenção imediata, como a revitalização do comércio no centro da cidade, pois as grandes redes estão sugando nossa economia local, essa falta de atitude está dizimando empresários e reduzindo as vagas de emprego. Outro aspecto é a revitalização do centro industrial para atrair novas indústrias e gerar empregos. No âmbito da infraestrutura logística é essencial a conclusão das obras do novo aeroporto e a duplicação da BR 116 até Jequié. É preciso captar recursos no governo federal para projetos estruturantes para a cidade. Estamos vendo pelo Brasil que recursos existem, mas ainda faltam projetos. Vivemos um novo patamar na gestão pública que exige planejamento, ousadia e competência. Os sistemas de mobilidade urbana, saúde e educação, estão em colapso e necessitam de uma intervenção urgente para sua revitalização. A cidade cresce, sobretudo pelos investimentos do governo federal e estadual e pela economia local que tem pujança própria por conta da macrorregião que tem Conquista e gera uma grande conversão de pessoas e recurso pra Conquistas. Na verdade, em relação a outras regiões do país com as mesmas características nossas, possuímos um nível de desenvolvimento ainda primário e pouco sustentável.
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