Museu Cajaíba: o legado de um artista plástico pede atenção dos conquistenses¹
Por André Thibes e Ana Paula Marques
O Museu Cajaíba, localizado no
alto da Serra do Peri Peri, guarda uma história com um importante valor
cultural para Vitória da Conquista e região sudoeste. O espaço foi
construído pelo artista-plástico Aurino Cajaíba, falecido há alguns
anos, e é zelado atualmente pelo seu filho, Edvaldo Cajaíba.
As esculturas, confeccionadas
com cimento e ferro, povoam os 6 mil metros quadrados do museu. Ainda em
vida, Aurino contava cerca de 200, mas com o tempo elas foram se
perdendo e degradando e hoje resistem por volta de 180 obras. “É um
grande legado que o artista deixou para a cidade, com obras inspiradas
na história do Brasil, expostas ao ar livre”, comenta Edvaldo.
Além dessas, “existem obras de
Cajaíba em diversas cidades baianas. Em Vitória da Conquista, a mais
famosa se encontra em frente ao tiro de guerra, conhecida como ‘Os Três
Pracinhas’”, explica o filho do escultor.
O museu começou a ser criado em
meados da década de 60. Cajaíba esculpia numa sala que ficava dentro do
espaço e foi expondo seus trabalhos ao redor desse ambiente. Hoje, ao
caminhar por ali, é possível ter a sensação de estar vivendo a história
dos nossos antepassados, em um jardim de pedra.
O artista viveu de forma
humilde e assim levou a gestão de seu museu. Ele considerava que suas
obras eram patrimônio público e não cobrava ingresso para os visitantes.
Em certas situações fazia as esculturas e vendia a preços simbólicos,
algumas vezes chegando até a não cobrar por elas. “Ele criou tudo isso,
em benefício do povo. Ele montou o museu e não era cobrado ingresso, era
aberto ao povo e o povo que contribuía com o que podia”, afirma Edvaldo
Cajaíba.
Porém, ainda em vida, Aurino já
alertava para as dificuldades de gerir o museu e solicitava ajuda do
poder público. Em uma carta, ele chegou a pedir ajuda do governo,
independente da instância, podendo ser o Governo Federal, Estadual ou
Municipal. Seus pedidos não foram desnecessários pois hoje parte do
acervo foi perdido pela falta de verba para conservação e outra parte
foi restaurada por iniciativa do próprio Edvaldo, na tentativa de
resgatar o museu com o que havia resistido.
“É uma busca muito cansativa que vem desde a época que meu
pai era vivo. Ele sempre buscou um apoio que nunca foi dado. Depois da
morte dele, já tentei várias vezes, já conversei com o prefeito
Guilherme Menezes e ele prometeu que viria mandar o pessoal aqui pra
fazer um levantamento, mas até o momento nada foi feito”, desabafa.
Por outro lado, a Prefeitura alega que o Museu Cajaíba é uma propriedade privada pertencente à família Cajaíba.
Muitos artistas já se
encontraram ali para conversar, trocar histórias e vivências e a prática
perdura. Ele está aberto a visitantes, com entrada gratuita. Edvaldo
explica os horários para visitação: ”Nos finais de semana, das 11:00 às
17:00 horas. A entrada é pelo espaço cultural Janela Cajaíba”.
Janela Cajaíba
Uma das
estratégias da família Cajaíba para divulgar o trabalho de Aurino foi a
criação do espaço cultural Janela Cajaíba. O local reúne artistas de
Vitória da Conquista e promove atividades culturais constantes.
“Esse espaço foi feito em
função do museu para divulgar as obras. Cajaíba faleceu há 16 anos e foi
praticamente esquecido. No final dos anos 60 até o final dos anos 80, o
museu era bastante visitado, vinha turistas do mundo inteiro. A revista
Manchete impulsionou pra que ele pudesse ser reconhecido em todo o
Brasil”, explica Edvaldo.
O espaço funciona como um bar, porém promove alguns shows. Por exemplo, no próximo dia 12 de abril, vai ocorrer o show Sêr-Tão Roots.
Quem foi Cajaíba
Aurino Cajaíba da Silva nasceu
no dia 25 de novembro de 1917 em Itaquara, município baiano próximo à
Jaguaquara. Criado em Jequié, o artista plástico veio para Vitória da
Conquista no final dos anos 50, onde se estabeleceu.
Cajaíba obteve prestígio nacional ao sair
na Revista Manchete, numa reportagem de quatro páginas intitulada “A
História Fantástica de Cajaíba”, em 1967. No ano seguinte, foi convidado
da Hebe Camargo, em seu programa na TV Record. Expôs na Bienal
Internacional de Arte de São Paulo e foi considerado fenômeno mundial
pela crítica francesa, após a exibição do documentário sobre a vida do
escultor no curta metragem “Cajaíba: Lição das Coisas – O Fazendeiro do
Ar”, dirigido por Tuna Espinheira em 1975.
Morreu em 25 de Outubro de 1997. Um de seus pedidos à família foi que
seu corpo fosse sepultado no próprio Museu e assim o foi. Dentre as
várias esculturas, é possível encontrar um cantinho onde descansa seu
corpo, da forma como viveu, rodeado por sua obra.
CONTEXTUALIZANDO com Mary Weinstein²
Um museu local fortalece a
memória de uma comunidade, valorizar e fomentar a figura de Cajaíba é
fortalecer a própria identidade de Conquista. A professora Mary
Weinstein falou um pouco sobre a importância de um museu para a cidade:
A valorização da cultura
tem tido importância máxima nas cidades. Museu é uma forma de apresentar
culturas, quase que didaticamente. É o lugar para se reunir as
expressões culturais e as expressões artísticas seja lá de que período
for da história de um lugar.
Portanto, é um componente
imprescindível nas nossas vidas e deixou de ser o congelamento do
passado há muito tempo. Lembrando que cultura e arte não são para ficar
estritamente dentro dos prédios. A Europa, por exemplo, é um museu
dentro e fora das suas edificações, elas mesmas – as edificações –
preservadas, como um texto de uma sucessão de períodos da humanidade. A
Europa vive da sua história, onde cultura passa a ser objeto de compra,
venda e troca, e é uma riqueza como o petróleo, como os minérios de
ferro e os inventos tecnológicos.
E, fora tudo isso, museu é o
local de reflexão, de auto conhecimento e até de se pensar sobre o
presente e o futuro. Por essas e outras, museu, no bom sentido, só faz
bem pras comunidades. É um dos locais onde ela pode se enxergar e pode
se apresentar como uma síntese para quem tiver curiosidade de conhecer
sobre ela. Mas claro que estou falando de museu como cultura e não como
culto de um passado. Estou falando de museu como registro, como
interpretação, como diálogo.
Tudo que, digamos assim, não pode ser
mantido em outro lugar, ou como representação de outro lugar, e me
refiro a lugar como objeto. É também o espaço para se manter objetos de
interesse coletivo e que passam a pertencer a todos. Inclusive, há
museus de tudo quanto é coisa: da cadeira, do sapato, dos
impressionistas, do ritmo e por aí vai. Definitivamente, museu é muito
mais o presente. E é mais futuro que passado, na era digital fica mais
importante ainda entendermos a função da presença dos museus na cidade. E
citando mais uma vez a Europa, por lá há museus quase a cada esquina.
As filas para visitá-los são imensas, se movimentam por horas. Há
estruturas para gerir um museu, as pessoas viajam até certas cidades
somente para visitar museus. Há um filme agora em cartaz, o Caçadores de
Obras de Arte que se refere mais ou menos a essa temática da
conservação das expressões artísticas, dos grandes nomes da pintura, das
edificações, tudo isso chamado de monumentos, em meio à insanidade do
nazismo que ou roubava para si, ou as destruía para que ninguém ficasse
com elas. Temos que trazer essa questão para o presente e fazer ver que
manter as obras de arte e da cultura é uma forma de nos mantermos sãos.
Pense em São Paulo, que tem representações culturais em cada esquina, e
muitas delas são em forma de museus.
¹Foto de Capa: Arquivo Municipal – Escultura de Castro Alves em deterioração
²Mary Weinstein é Doutora pelo
Programa Multidisciplinar em Cultura e Sociedade, da Faculdade de
Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia. Foi repórter do
Jornal A Tarde, onde se especializou em patrimônio histórico e cultural.
Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (Uesb).
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