Gil Brito/Site Galhofas a Mil
Ao ser informado de que o ex-governador baiano César Borges foi
indicado para o ministério dos Transportes, pude finalmente compreender o
porquê de dona Lúcia, mãe de Glauber Rocha, ter dito que seu filho
morreu de “uma doença chamada Brasil”. Fui acometido dessa mesma
“doença” ao ler que o pastor Marco Feliciano havia sido indicado para a
presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos
Deputados. É algo como nomear Marcos Valério guardião do Tesouro
Nacional. A enfermidade foi se agravando, à medida que Feliciano
manifestava o interesse em não largar o osso, recém-conquistado graças à
divisão de cargos entre os partidos da base governista.
Tive breve melhora ao verificar que Chico Buarque e Caetano Veloso
estavam novamente juntos numa iniciativa extra-musical, ao lado de
Wagner Moura, Dira Paes e outros artistas, todos fazendo parte de um
heterogêneo e simbólico movimento que pedia pelo afastamento de
Feliciano do cargo. Não sei se o pastor conhece “Dom de iludir”, de
Caetano. O fato é que ele demonstra não ter respeito algum pela ideia de
que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Meu estado de saúde voltou a piorar quando me informaram de que há
gente interessada em forçar novas normas que façam com que o Estado
brasileiro deixe de ser laico. Nesse momento, comecei a ter calafrios e a
perder parte dos sentidos. No entanto, vinha-me um certo consolo.
Inocentemente, acreditei que tal insanidade, por ser obviamente
inconstitucional, jamais passaria pela Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara, responsável por verificar previamente a
constitucionalidade das propostas de emendas constitucionais (e de
impedir que sigam para votação, caso a inconstitucionalidade seja
comprovada). Precisei acreditar nisso, sob pena de intensificar os
espasmos que já sentia.
A ilusão de melhora foi breve. Iludido pela crença nos mecanismos de
controle constitucional, fui acessar as redes sociais. Vi então a defesa
apaixonada que era feita ali pelos áulicos do pastor Feliciano.
Argumentavam que ele era ungido por Deus e, por isso, tinha de continuar
lá. Algumas postagens chegavam a retratar Feliciano com a faixa
presidencial. Aí, não suportei. A recaída foi inevitável. Além do
retorno da sudorese, comecei a tossir seguidas vezes. Era uma tosse
seca, como a de um tuberculoso do século 19.
Tentei desligar o computador, para evitar que o mal piorasse. Era
tarde. Ao tentar erguer a mão, dei-me conta de que todo o meu lado
direito do corpo estava inerte. Restou-me outra alternativa, a mão
esquerda. Embora meio trêmula, ela me serviu. A esquerda sempre me serve
melhor que a direita, pensei. Consegui desligar a máquina. Retornei à
cama com o andar um pouco debilitado, tendo de me apoiar nas paredes.
Desabei na cama. Estava prestes a perder a consciência quando soube,
pelo som do rádio de um vizinho do andar inferior, que o Congresso
brasileiro havia, enfim, aprovado a emenda constitucional que confere
plenos direitos trabalhistas aos empregados domésticos. Já estava quase
catatônico, suando em bicas há dias, e sem que houvesse nada que me
fizesse melhorar. A notícia, inicialmente, foi barrada por minha
incredulidade. Depois, como o informe se estendesse (era por volta de
19h, horário da “Voz do Brasil”), vi que não se tratava de brincadeira.
Houve um certo arrefecimento da “doença chamada Brasil”. Recobrei parte
dos movimentos. Não melhorei, mas tive a sensação de que não havia
possibilidade de piorar – ao menos por enquanto.
Glauber Rocha teria completado, em 14 de março, 74 anos de idade. Mas
creio que sua sensibilidade exacerbada não suportaria o sofrimento que
lhe causaria, hoje, a “doença chamada Brasil” que, segundo sua mãe,teria
sido a causa de sua morte em 1981, aos 42 anos.
*Publicado originalmente no jornal Folha Solta, edição de abril de 2013.
*Publicado originalmente no jornal Folha Solta, edição de abril de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário