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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Uma doença chamada Brasil

Fonte Fabio Sena.
Cuidado! Este sujeito se leva a sério demais

Ao ser informado de que o ex-governador baiano César Borges foi indicado para o ministério dos Transportes, pude finalmente compreender o porquê de dona Lúcia, mãe de Glauber Rocha, ter dito que seu filho morreu de “uma doença chamada Brasil”. Fui acometido dessa mesma “doença” ao ler que o pastor Marco Feliciano havia sido indicado para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. É algo como nomear Marcos Valério guardião do Tesouro Nacional. A enfermidade foi se agravando, à medida que Feliciano manifestava o interesse em não largar o osso, recém-conquistado graças à divisão de cargos entre os partidos da base governista.

Tive breve melhora ao verificar que Chico Buarque e Caetano Veloso estavam novamente juntos numa iniciativa extra-musical, ao lado de Wagner Moura, Dira Paes e outros artistas, todos fazendo parte de um heterogêneo e simbólico movimento que pedia pelo afastamento de Feliciano do cargo. Não sei se o pastor conhece “Dom de iludir”, de Caetano. O fato é que ele demonstra não ter respeito algum pela ideia de que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.


Meu estado de saúde voltou a piorar quando me informaram de que há gente interessada em forçar novas normas que façam com que o Estado brasileiro deixe de ser laico. Nesse momento, comecei a ter calafrios e a perder parte dos sentidos. No entanto, vinha-me um certo consolo. Inocentemente, acreditei que tal insanidade, por ser obviamente inconstitucional, jamais passaria pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, responsável por verificar previamente a constitucionalidade das propostas de emendas constitucionais (e de impedir que sigam para votação, caso a inconstitucionalidade seja comprovada). Precisei acreditar nisso, sob pena de intensificar os espasmos que já sentia.

A ilusão de melhora foi breve. Iludido pela crença nos mecanismos de controle constitucional, fui acessar as redes sociais. Vi então a defesa apaixonada que era feita ali pelos áulicos do pastor Feliciano. Argumentavam que ele era ungido por Deus e, por isso, tinha de continuar lá. Algumas postagens chegavam a retratar Feliciano com a faixa presidencial. Aí, não suportei. A recaída foi inevitável. Além do retorno da sudorese, comecei a tossir seguidas vezes. Era uma tosse seca, como a de um tuberculoso do século 19.
Tentei desligar o computador, para evitar que o mal piorasse. Era tarde. Ao tentar erguer a mão, dei-me conta de que todo o meu lado direito do corpo estava inerte. Restou-me outra alternativa, a mão esquerda. Embora meio trêmula, ela me serviu. A esquerda sempre me serve melhor que a direita, pensei. Consegui desligar a máquina. Retornei à cama com o andar um pouco debilitado, tendo de me apoiar nas paredes.

Desabei na cama. Estava prestes a perder a consciência quando soube, pelo som do rádio de um vizinho do andar inferior, que o Congresso brasileiro havia, enfim, aprovado a emenda constitucional que confere plenos direitos trabalhistas aos empregados domésticos. Já estava quase catatônico, suando em bicas há dias, e sem que houvesse nada que me fizesse melhorar. A notícia, inicialmente, foi barrada por minha incredulidade. Depois, como o informe se estendesse (era por volta de 19h, horário da “Voz do Brasil”), vi que não se tratava de brincadeira. Houve um certo arrefecimento da “doença chamada Brasil”. Recobrei parte dos movimentos. Não melhorei, mas tive a sensação de que não havia possibilidade de piorar – ao menos por enquanto.

Glauber Rocha teria completado, em 14 de março, 74 anos de idade. Mas creio que sua sensibilidade exacerbada não suportaria o sofrimento que lhe causaria, hoje, a “doença chamada Brasil” que, segundo sua mãe,teria sido a causa de sua morte em 1981, aos 42 anos.
*Publicado originalmente no jornal Folha Solta, edição de abril de 2013.

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